Racionais Mc`s com microfones cantando

Sobrevivendo ao Inferno, álbum lançado pelos Racionais Mc`s em 1997 foi incluído entre as leituras obrigatórias para o vestibular 2020 da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp.

Tendo em vista que o Nobel de literatura foi concedido a Bob Dylan em dezembro de 2016, valorizando a estética e a poesia de suas letras, mundialmente conhecidas a partir de seus discos, CDs e mais recentemente, via streaming, a Unicamp presta importante serviço a cultura e a educação nacional ao valorizar a obra dos Racionais e, com isso, abre espaço para a inclusão de outras produções do gênero em exames similares, como a Fuvest ou o ENEM.

O uso de letras de música em questões de vestibular ou em provas escolares não é, por si só, uma inovação. O estudo da produção de ícones recentes ou passados da música nacional, como Renato Russo, Cazuza, Caetano Veloso, Rita Lee, Gilberto Gil ou Chico Buarque, faz parte do trabalho realizado por professores e estudiosos da língua portuguesa no Brasil e demais países onde ela está estabelecida.

A celebração da linguagem como elemento de identidade nacional no Brasil talvez tenha no Museu da Língua Portuguesa – cuja atuação foi paralisada em função de incêndio ocorrido em dezembro de 2015, mas que, felizmente, a partir de iniciativas que associam o poder público e investidores privados, está em processo de reconstrução e será reaberto ao público – seu maior expoente. E esta celebração passa, necessariamente, pelo exame das mais variadas vertentes da expressão linguística em nossa língua, seja por meio de obras literárias do calibre da produção de Machado de Assis, da poesia de Cora Coralina, das histórias infantis criadas por Ziraldo ou através da música brasileira de Adoniran Barbosa, Chiquinha Gonzaga, Cartola, Tom Jobim e outros grandes expoentes desta arte.

Sobrevivendo ao Inferno, do grupo de rap Racionais Mc`s, grupo composto por Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e DJ KL, conta com letras consideradas clássicas, como Capítulo 4, versículo 3, Diário de um detento e Periferia é periferia, entre outras.

Para fins de vestibular, fará parte da produção poética, com evidente verve urbana, questionadora, afiada, trazendo em seus versos os dilemas e dramas do cotidiano paulistano, com foco em questões como racismo, a violência, a criminalidade, a brutalidade policial, as drogas e a exclusão social.

Os aspectos sociais, desta nova ode poética brasileira pautada no rap, abundam como crítica construída de forma agressiva, mas consciente, a alertar para as mazelas que afetam os rincões do Brasil, seja nos lugares mais distantes ou nos mais próximos e ricos, em São Paulo ou nos pontos extremos do país, o trabalho dos Racionais é um grito que, passa a ter maior visibilidade e valorização a partir da ação da Unicamp.

Na introdução da música Capítulo 4, Versículo 3, é possível perceber bem o discurso dos Racionais e, entender os motivos pelos quais sua produção passa a ser trabalhada com maior ênfase nas escolas brasileiras:

“60 por cento dos jovens de periferia sem antecedentes criminais

Já sofreram violência policial

A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras

Nas universidades brasileiras

Apenas 2 por cento dos alunos são negrosA cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente

Em São Paulo…”

O que se espera é que esta opção da Unicamp seja também um alento para outros exames e, ao mesmo tempo, uma forma de fazer com que a educação nacional aproveite e reforce seus acervos culturais ao valorizar a cultura brasileira em suas diferentes formas de expressão ou a partir de origens as mais diversas, ou seja, das mais populares as eruditas.

Efeito igualmente esperado é que a educação nacional e seus grandes exames, como o Enem, valorizem e utilizem ainda mais as diferentes linguagens, buscando na música, nos quadrinhos, nas artes plásticas, no cinema, na dança, no teatro, em blogs e em suas formas únicas de expressão, subsídios culturais que ampliem os debates, estimulem o ensino e a aprendizagem, exponenciando as possibilidades cognitivas.

Pode ser que esta ação da Unicamp seja isolada e que elementos culturais variados produzidos no Brasil urbano, interiorano, litorâneo ou rural não venham a ter o destaque que merecem, ou seja, que não se tornem objeto de estudos e pesquisas com foco na língua, comunicação, expressão cultural, aspectos sociológicos, história ou geografia do Brasil, mas que isso deveria ser ampliado, todos devem concordar que sim.

Preocupações várias podem surgir, relacionadas a valorização daquilo que é subproduto cultural ou que não passa de produção mercadológica, com poucas possibilidades reais de gerar debate, mobilizar estudos ou promover conhecimento mais amplo. Nem tudo o que é produzido tem profundidade e agrega saberes dignos de nota e inclusão nos bancos escolares.

Mesmo as obras rasas e evidentemente comerciais podem, no entanto, mobilizar professores e estudantes no intuito de fazê-los ver e compreender o surgimento de produções alienantes, por exemplo, percebendo suas limitações do ponto de vista sociológico ou filosófico, contextualizando política e historicamente.

No entanto, é realmente necessário que tudo seja feito com o máximo critério, afim de que a inclusão de novos autores, poetas, obras e linguagens seja, para a educação, realmente, algo que auxilia educadores e educandos a melhorar o nível cultural, ampliar os conhecimentos científicos, aperfeiçoar a linguagem e o entendimento social em relação ao mundo em que vivem.

Bem-vindos Racionais Mcs e que, com vocês e sua contribuição para a cultura nacional se abram as portas para que outros expoentes da nova cultura brasileira, a partir da produção em diferentes mídias, possam também enriquecer a educação nacional.

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