Imagem de Pierre Lévy e capa do livro

Pierre Lévy, em seu já clássico livro “Cibercultura”, publicado no Brasil pela Editora 34, num aparentemente longínquo ano de 1999, antes portanto da virada do século e coincidindo com a estreia nos cinemas de “Matrix”, dos irmãos Andy e Larry Wachowsky, em relação ao qual é possível traçar alguns paralelos (produção igualmente icônica e referencial em relação à qual retornaremos em análises posteriores), já definia com precisão naquele momento movimentos importantes relacionados ao uso da tecnologia na educação, a despeito de alguns recursos por ele considerados estarem ainda naquele momento em estágio embrionário.

Pensar, por exemplo, em EAD (Ensino Aberto e a Distância, segundo a definição de Lévy, o que expande a visão reducionista em uso que traduz a sigla apenas como Ensino a Distância) em 1999, significava não ter conhecimento quanto a várias ferramentas que para todos os usuários destas plataformas educacionais hoje em dia são corriqueiras e usuais para o ensino e aprendizagem. Ainda assim Pierre Lévy pensa ser essencial a educação destes novos tempos a “aclimatação dos dispositivos e do espírito do EAD”, esclarecendo desde então que o EAD se utiliza de “hipermídias”, “redes de comunicação interativas” e de “todas as tecnologias intelectuais de cibercultura”.

Lévy percebe desde o primeiro momento que a utilização do EAD não pode prescindir de “um novo estilo de pedagogia” que ao mesmo tempo que promove a “aprendizagem coletiva” atende aos alunos em modelos personalizados, atuando em favor dos mesmos ao respeitar seu ritmo, dificuldades, bagagem cultural, arcabouço teórico…

Aprender, neste novo contexto não pode se prender a forma linear e tradicional de ensino. É preciso desconstruir as ações características desta escola repetitiva, com saberes organizados dentro de uma estrutura amarrada e encadeada de forma apenas lógica, cabendo aos docentes seguir currículos previamente estabelecidos e, com isso, concentrar os saberes e a função educativa em sua ação didática expositiva.

Porque aprender História, por exemplo, dentro de um rígido modelo que define o início dos estudos na Pré-História e determina que tudo termina no período Contemporâneo, estruturando o ensino com base em referenciais fixos como os elementos sociais, econômicos, culturais e político-jurídicos, lendo tudo dentro de um modelo analítico marxista ou conservador? Não seria possível, por exemplo, iniciar os estudos com os movimentos sociais percebidos na realidade, naquilo que salta aos olhos, como a crise da água, a epidemia de dengue ou as marchas de contestação ao governo e contrárias a corrupção endêmica no país?

E esta é uma outra indicação de caminhos proposta por Lévy, na trilha de pensadores que anteciparam sua ação no tempo e a partir de outras realidades, como Paulo Freire, ou seja, fazendo com que a escola valorize, reconheça e respeite “as experiências adquiridas” dos educandos. Neste sentido as “ferramentas do ciberespaço”, como as caracteriza o pensador francês, entre as quais a decisiva é mesmo a internet, elo e canal de ligação entre pessoas, povos, culturas, semelhanças e diferenças, na riqueza da multiplicidade das pessoas, nesta ecodiversidade humana, cria os elementos de conexão a ligar e relacionar todos os seus usuários e, num futuro breve, todos os habitantes do planeta.

As tecnologias criaram caminhos ao oferecer, também segundo Lévy, “novas formas de acesso a informação” e a propor “novos estilos de raciocínio e de conhecimento”. Pensar dentro da cibercultura passa por processar a informação com acesso a linguagem multimidiática, com acesso a fontes diversas e em profusão, podendo experimentar com simuladores e não apenas a partir do real, adicionando-se, portanto, novos elementos que podem antecipar e auxiliar no planejamento daquilo que será proposto e realizado no mundo físico.

Há, no entanto, cuidados mais que necessários, fundamentais no trabalho com as novas tecnologias, em particular a capacidade de leitura e interpretação desta informação toda que se apresenta. A profusão, a quantidade, a demasia ou a oferta infindável de recursos e meios não significa pelo volume que estamos de fato mais ricos neste universo, apenas que precisamos ser mais cuidadosos, criteriosos e críticos na apreciação do que nos é oferecido.

Ao mesmo tempo, separar o joio do trigo nunca foi tão importante numa época em que o virtual e suas telas parecem cada vez mais onipresentes, ou seja, discernir entre o digital e o real, tornando as ferramentas, experiências e caminhos da tecnologia apoios indiscutíveis para o caminho humano desde que percebidas como meios e não como fins. A finalidade está no mundo real, nas experiências sensoriais, no universo físico e todas as relações que criamos com os outros seres que conosco coexistem no universo.

Um terceiro e último ponto nesta trilha a ser considerado é que o advento das tecnologias e sua utilização não sacrificam ou eliminam outros recursos, meios e canais criados pela humanidade. Aprender com e sem as tecnologias são caminhos complementares e não excludentes. Viver com e sem as tecnologias é o que se pretende e espera e não somente experiências focadas apenas no virtual ou no real.

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