Dois soldados

Os soldados a vagar pela praia imensa nos permitem caminhar ao lado deles. Entramos num dos cenários cruciais da guerra, aquele em que as tropas batem em retirada, cientes da derrota fragorosa naquela que deveria ser uma investida fatal contra os anseios dos inimigos. Neste momento específico da 2ª Guerra Mundial são os aliados que recuam, ingleses e franceses, acuados pela máquina bélica nazista a lhes espreitar, sem dó nem piedade, tanto pelas ruas da cidade quanto nos locais de evacuação de tropas e feridos, espalhados pelas areias e as beiras do Mar do Norte, literalmente, encurralados e à mercê dos ataques aéreos dos aviões alemães.

Dunkirk (título original do filme de Christopher Nolan) ou Dunquerque (em português), cidade portuária estabelecida no norte da França, entre os meses de maio e junho de 1940, foi palco de intensas batalhas envolvendo as tropas aliadas, compostas naquele momento, por ingleses e franceses (a resistência, já que os alemães haviam dominado parte do país e marchado sobre Paris), e os soldados nazistas de Adolf Hitler.

A obra cinematográfica de Nolan nos coloca em cena no exato momento em que mais de 300 mil soldados aliados precisam, desesperadamente, escapar do intenso e violento contra-ataque nazista. Seu realismo é marcante e, com ele, conforme mencionamos no início deste texto, a impressão que temos é a de que também estamos ali, desesperados a aguardar a chegada dos barcos de resgate e do socorro médico para os feridos.

Dezenas de macas em fila aguardam a ordem de embarque, soldados alinhados e espalhados pela praia, por sua vez, somente poderiam sair do local após a retirada dos feridos, há mortos espalhados pelas ruas de Dunkirk sem que nada possa ser feito para resgatar seus corpos, falta água e comida, o cenário é ainda mais desolador por conta dos ataques frequentes de batalhões de atiradores à espreita ou de aviões que bombardeiam ou atiram nos soldados expostos nas brancas areias da imensa praia.

O cenário local, de um balneário que durante o período de paz recebe turistas torna-se um cemitério a céu aberto e a chacina continua. A cada rasante dos aviões nazistas mais soldados caem mortos ou feridos e, com isso, o desespero aumenta. O espectador, sentado na cadeira do cinema se vê também ali, sem alternativas de fuga e percebe nos protagonistas aquilo que talvez procurasse também fazer se estivesse naquele cenário.

O filme de Nolan tem justamente este propósito, como Steven Spielberg nos 15 minutos iniciais de O resgate do soldado Ryan, nos expõem a carnificina e o desespero dos soldados. Neste caso, no entanto, o drama se estende por toda a película, ou seja, são 107 minutos durante os quais a impressão que temos é a de que também somos soldados ingleses ou franceses em fuga.

O filme é tão original em sua narrativa que, apesar de contar com protagonistas, eles parecem difusos e secundários na trama, atuando apenas como elementos condutores do enredo para que os espectadores possam estar, com eles, no mesmo contexto.

O filme contém poucos diálogos, localizados e cirurgicamente posicionados, o silêncio dos envolvidos denuncia a angústia, o medo, a insegurança e se torna, desta maneira, também um elemento definidor do andamento da história. Se não há tantos diálogos, temos, por outro lado, os sons da guerra, como os estrondos das explosões ou o ronco dos motores dos aviões a nos alertar sobre sua chegada. Com a bela composição musical criada para a produção a impressão se torna ainda maior de que Nolan queria fazer do público, também, protagonista desta história.

Dunkirk é um filme épico e que, de imediato, já se torna clássico e renovador no tocante a linguagem para filmes de guerra. Parece que estamos assistindo um documentário ainda que saibamos se tratar de uma peça de ficção baseada em fatos históricos documentados e analisados pelo crivo de historiadores. Obrigatório e imperdível, certamente é cinema de primeiríssima, ainda que sua organização não vá, necessariamente, agradar a todos.

Para refletir

1. A guerra é, certamente, o pior dos mundos. Cenários desoladores surgem do embate entre tropas inimigas. Homens e mulheres envolvidos no conflito atiram ou lançam bombas contra seus oponentes sem que, nem ao menos, saibam quem está do outro lado. Os motivos que mobilizam a humanidade a guerra envolvem, na maior parte dos casos, interesses mesquinhos, de fundo material, que certamente poderiam ser resolvidos por meio da diplomacia, com inteligência e bom senso, sem derramamento de sangue. Muitas vezes as populações dos países em guerra, por meio das mídias e da propaganda dos governos, como no caso da 2ª Guerra Mundial, é manipulada para acreditar que a luta é justa e em prol dos interesses de todos os cidadãos e de outras nações. Evitar as guerras é, portanto, algo imprescindível a ser feito e, neste caso, o estudo e exame de conflitos anteriores, como as grandes guerras do século XX, por exemplo, precisa ser feita de modo regular e isento, para que se entendam as causas, se percebam os movimentos, sejam percebidos os prejuízos materiais e, principalmente, as perdas humanas.

2. Dunkirk é um filme impar por suas qualidades e inovação na linguagem cinematográfica, mas, também, por destacar um momento inglório dos aliados, acuados pelos nazistas, em fuga, com receio da recepção que teriam em seu país de origem ao para lá retornarem derrotados, com tantas baixas. A história é escrita pelos vencedores (felizmente há novos movimentos buscando o registro de outras narrativas, entre as quais, por exemplo, das minorias, dos derrotados, do cotidiano…) e, neste sentido, ao apresentar um momento de tanto pesar e perda para ingleses e franceses, expondo suas fraquezas e a certeza de que a guerra só poderia ter outro rumo se os americanos nela entrassem com seus soldados e armamentos, torna-se também diferenciado. É certo que a frente de batalha apresentada é apenas um momento inglório da 2ª Guerra Mundial, no entanto, a fuga, a dor e as perdas impingidas pelos alemães aos ingleses e franceses deixaram cicatrizes. O importante, porém, é que da derrota surjam lições e destas, por sua vez, melhores respostas aos problemas e perigos imediatos. Aprender com os erros é a grande lição.

3. A matemática da guerra é um bom tema para estudos a partir do uso de filmes como Dunkirk. Qual foi o custo da 2ª Guerra Mundial para o mundo em termos de destruições, paralisação da economia, quebra de safras, endividamento dos países envolvidos e, principalmente, perdas humanas? Alguma nação se beneficiou do conflito em termos econômicos? Que tal propor aos alunos a criação de um infográfico com estas informações?

 

Veja o trailer:

 

Ficha Técnica

  • Título: DUNKIRK
  • Título original: Dunkirk
  • País/Ano: EUA/França/Reino Unido/Holanda, 2017
  • Duração: 147 minutos
  • Gênero: Guerra, Drama Histórico
  • Direção: Christopher Nolan
  • Roteiro: Christopher Nolan
  • Elenco: Fionn Whitehead, Mark Rylance, Tom Hardy, Kenneth Branagh, Harry Styles, Barry Keoghan, Aneurin Barnard, Jack Lowden.

Informações

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