Pessoa segurando um celular com o aplicativo do Youtube aberto

Vamos então colocar você no universo virtual destas crianças e pré-adolescentes a partir de descrições de vídeos de alguns canais campeões de audiência, todos contando com alguns milhões de views… Confira a seguir:

Cena 1 – Crianças em lojas de brinquedo

A criança inicia o vídeo agradecendo o grande número de pessoas que segue o canal dela no YouTube e pedindo que, em relação ao vídeo que será apresentado, tem uma meta de ‘likes’ a ser atingida, no mínimo 20 mil e, que, em sendo atingido este objetivo, ela voltará para celebrar a conquista com os fãs. Em seguida, têm início a produção em que a protagonista irá performar diante da câmera como as crianças, de diferentes formas, se portam em lojas de brinquedos (mencionando a loja em que isso acontece, ou seja, fazendo propaganda). A primeira apresentação dá ênfase as crianças birrentas, que esperneiam, se jogam no chão, imploram, choram e fazem de tudo para convencer os pais a comprar um brinquedo para elas, seguida de outros exemplos de comportamento infantil neste ambiente específico…

Cena 2 – Um sorvete de 100 bolas

Ao fundo da cena é possível ver alguns quadros com símbolos do YouTube, certamente troféus conquistados por este YouTuber Mirim a cada enorme quantidade de views e followers de seu canal. Para começar a conversa o menino diz a todos que gostaria de ter mais e mais seguidores, para continuarem curtindo seu canal. Em seguida, apresenta a temática deste vídeo, o desafio de fazer e consumir um sorvete de 100 bolas… Ele logo de início esclarece que o que não for degustado por ele irá ser repartido entre amigos e familiares, ou seja, não haverá desperdício. Começa então a montagem da enorme taça com 100 bolas de sorvete…

Cena 3 – Brincando de alimentar o bebê

A menina brinca de ser mãe. Em sua casinha vemos o bebê no berço a chorar, com efeitos especiais destacados no vídeo (áudio e imagem das lágrimas). Essa pequena mãe pega a criança no colo e dá uma mamadeira de brinquedo que é rapidamente esvaziada pelo bebê. Apesar disso, a choradeira com lágrimas e gemidos virtuais continua. Já sem saber ao certo o que fazer, a mãezinha tem uma excelente ideia, vamos a uma lanchonete mundialmente conhecida para ‘matar’ de vez a fome de sua filhinha. Ela então embarca num veículo elétrico para crianças, réplica de marca famosa, e vai em direção a um drive-thru da lanchonete, na qual pede um milk-shake para seu bebê e um lanche caprichado para si mesma…

Vamos então tentar explicar um pouco deste universo a partir, inicialmente, de algumas importantes considerações, apresentadas a seguir:

“Para fazer login no YouTube, você precisa ter uma conta do Google que atenda às restrições de idade mínima. Para todos os países que não estão na lista apresentada, a idade mínima para gerenciar a própria conta do Google é 13 anos”. Esta informação consta dos termos de uso do Google, proprietário do YouTube. Na lista relativa aos países da América Latina, exceto o Peru e o Equador, que estabelecem 14 anos como idade mínima para este acesso, todos os demais (inclusive o Brasil) não constam da lista apresentada, estando em vigência, para eles, a idade mínima de 13 anos.

Entre a faixa dos 9 aos 17 anos temos no Brasil 86% de crianças e adolescentes com acesso a redes sociais, entre as quais se inclui o YouTube. É preciso destacar que apesar dos termos do YouTube restringirem a criação de contas para menores de 13 anos, temos 62% de usuários que tem entre 9 e 10 anos usando redes sociais e 76% na faixa dos 11 e 12 anos que também possuem contas nestas plataformas. Os dados são de 2017 e fazem parte de pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

Segundo pesquisa do MediaLab, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o Brasil é o 2º maior consumidor de vídeos do YouTube e, entre os 100 canais mais vistos no país, 36 deles têm conteúdo direcionado a crianças de 0 a 12 anos. A quantidade de acessos e views diários está na casa dos milhões e, com isso, YouTubers mirins e juvenis se tornaram celebridades e seus canais, ótimos meios de divulgação de produtos como brinquedos, alimentos, roupas, materiais escolares…

Atualmente a televisão está perdendo espaço entre as novas gerações, sendo responsável por apenas 50% do tempo dispendido diante de telas, conforme constatado por pesquisas. O YouTube e outros canais de vídeos em streaming, na internet, estão conquistando esta audiência.

Resolução 163/2014 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) considera abusiva a publicidade para crianças até 12 anos. Outros documentos importantes que procuram evitar abusos na área são o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal.

E o que precisamos pensar a respeito de tudo isso?

– Se os termos do YouTube e de outras redes sociais define 13 anos como idade mínima para acesso aos seus serviços como temos tantas crianças e pré-adolescentes acessando estas plataformas? Porque, como nos ensina a educadora Tânia Zagury, autora do livro ‘Os novos perigos que rondam nossos filhos’, “As crianças só têm acesso porque os pais possibilitam. Eles tendem a achar que seu filho é mais maduro do que realmente é.” A ausência dos pais ou responsáveis na orientação, acompanhamento e educação quanto ao uso da internet é um dos principais fatores para os abusos e descaminhos no universo virtual por parte de seus filhos.

– Que há audiência para os YouTubers mirins e juvenis. Quando vídeos como aqueles que descrevemos inicialmente, contabilizam entre 2,5 e 10 milhões de views (apenas os vídeos descritos e não os canais aos quais pertencem, que contam com acervos na casa das centenas de gravações), percebemos que há apelo comercial envolvido e que empresas podem e estão se interessando em divulgar produtos nestes canais. Ao assistir as produções de canais como estes, a criança ou o pré-adolescente até 12 anos está exposto a produções que contrariam o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). A propósito, você pai, mãe ou responsável por uma criança ou pré-adolescente, sabe o que seu filho vê no YouTube ou o que ele acessa em redes sociais?

 – O que os pais ou responsáveis sabem sobre o acesso de seus filhos a internet e as redes sociais? Vejam o que diz Rodrigo Nejm, diretor da Safernet sobre esta situação: “Vemos as crianças entrando nas redes sociais cada vez mais cedo e usando por cada vez mais tempo. A internet é a maior praça pública do planeta. Você tem que se perguntar: meu filho já tem maturidade para ter autonomia plena nesse lugar público?”. Você deixaria seu filho(a), com 10 ou 11 anos, no meio da mais movimentada praça de uma grande metrópole sem qualquer tipo de supervisão? Pois o risco é tão grande quanto quando deixamos escancarada a porta da frente de nossas residências para acesso virtual de qualquer pessoa, sem monitorarmos e ajustarmos nossos equipamentos para que, de modo apropriado, protejam o acesso de nossas crianças e, sem que os orientemos para os melhores caminhos da internet, com apoio da escola.

– Crianças e pré-adolescentes no YouTube ganham dinheiro com propaganda… Estão trabalhando antes da idade prevista para tal ação e seus rendimentos lhes pertencem ou a seus pais ou responsáveis? O que diz a legislação trabalhista quanto a esta participação regular em vídeos no YouTube por uma criança ou adolescente? O trabalho no país, como aprendiz, começa aos 14 anos, conforme lei sancionada em 2000, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes desta idade a criança e pré-adolescente deve estar regularmente matriculada na escola e tendo a possibilidade de ser criança, com acesso a brincadeiras e tudo o que se espera e se propõe para uma infância saudável.

– O que acontece com YouTubers mirins e juvenis quando despenca a audiência de seu canal? Já pensou na frustração de uma criança cujos acessos atingem os milhares ou milhões de views num dia e que, no seguinte, é esquecido ou perde grande parte destes acessos? Isso impacta a vida de adultos, o que pensar no caso de crianças? A enorme frustração é o que aguarda alguém nesta faixa etária quando isso ocorre…

Não possuímos no Brasil, ainda, instrumentos legais específicos que protejam nossas crianças e responsabilizem criminalmente quem as assedia pela internet e redes sociais. Os termos das redes, como o YouTube, devem ser lidos e respeitados para evitar problemas, lembrando sempre que se uma criança ou adolescente cria uma conta numa rede social sem ter idade para tal, a responsabilidade é dos pais ou maiores que cuidam deste menor de idade. O Conanda, a Constituição do Brasil, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente são instrumentos legais legítimos a serem consultados e utilizados na proteção de nossas crianças e adolescentes em casos de abusos.

É sempre importante ressaltar que as ferramentas, por si só, como as plataformas de redes sociais, não cometem erros ou crimes. É o uso que damos a elas que levam as pessoas a viver situações impróprias, irregulares, ilegítimas e dolorosas. A exposição prematura das crianças e adolescentes a conteúdo inadequado pode ter sequelas consideráveis. É sempre importante pensar nisso e atuar em prol da infância.

Oferecer outros recursos e meios, o contato com outras crianças, brincadeiras, passeios, leituras, cinemas, parques, museus, música, esportes, dança, jogos de tabuleiro, revistas em quadrinhos e contato com a natureza, são ações essenciais para que a infância seja estimulada, rica e prazerosa. O acesso a internet não é e nem deve ser proibido, o YouTube, por exemplo, oferece o YouTube Kids e o YouTube Edu, ferramentas apropriadas para o uso de crianças e estudantes. O uso da internet precisa, sempre, ser orientado, com os caminhos a serem percorridos pelas crianças e adolescentes na web sendo conhecidos e seguros. Desta forma teremos, certamente, uma infância mais saudável, rica e memorável!

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