Uma mãe e uma criança juntos

No livro infantil “O homem que amava caixas” conta-se a história de um artesão, especializado em caixas, que tem um filho e que, como ama muito seu menino e também sente grande paixão pelo trabalho que realiza, em tendo dificuldade para expressar o amor que sente por seu rebento, usa as caixas que cria para criar um elo poderoso com o menino.

É uma bela alegoria ou metáfora em tempos atuais que demonstra como os pais encontram dificuldades para demonstrar e realizar o amor que tem por seus filhos e como, muitas vezes, são os pequenos atos, associados ao cotidiano das pessoas, seja no trabalho, em hobbies ou em práticas regulares que realizamos em casa, os caminhos que podemos usar para estabelecer uma relação mais saudável e plena na relação entre pais e filhos.

Nem todo mundo tem habilidades artesanais. Há aqueles que gostam de esportes. Outros preferem a leitura. A paixão pelo cinema pode ser um ponto de conexão interessante. A aproximação pode se dar também por games ou jogos de tabuleiro… Há, enfim, uma infinidade de temas, assuntos e interesses que podem aproximar os familiares. Uma destas alternativas, que está no dia a dia de todos, é a cozinha e seus segredos, doces ou salgados, amargos ou picantes, a base de carnes ou legumes, caldos ou confeitaria… Seja qual for a opção, as panelas, fogões, temperos, receitas e ingredientes estão logo ali e, se houver paixão do pai ou da mãe por estes domínios, porque não utilizar este espaço para que os familiares se sintam ainda mais próximos?

As escolas já descobriram que lidar com os alimentos, nas hortas ou na cozinha, enseja ensinamentos que vão das ciências a história, passando sempre pela criação de bons hábitos alimentares, conexão entre as pessoas, trabalho em equipe, foco e sensibilidade.

Durante alguns anos de minha carreira atuei numa instituição de ensino superior, o Centro Universitário Senac, em Campos do Jordão, na Serra da Mantiqueira, interior de São Paulo, como docente para a disciplina “História da Alimentação”. Retorno agora, sempre que convidado, para cursos direcionados a pós-graduação daquela prestigiada instituição, para trabalhar esta e outras temáticas. Destaco sempre que sou um estudioso, historiador, teórico e pesquisador nesta área, pela qual me apaixonei profundamente. Não sou Chef e nem tenho esta intenção, mas adoro ir para a cozinha, principalmente na companhia de meus filhos e de minha esposa. Há mais este espaço para que a proximidade e o carinho entre nós se torne ainda maior. Usufruímos das possibilidades que a culinária nos oferece, na criação ou na elaboração de receitas prontas, de pratos salgados e doces, para estarmos juntos, compartilhando as ações, sempre que possível.

Há, além do trabalho, espaço para o diálogo, a troca, o intercâmbio de experiências e a produção final, feita com um toque especial, a várias mãos mais do que amigas, cujo tempero maior é o carinho e o amor de uns pelos outros. Esta ação vem de família, tanto no que se refere as minhas raízes quanto as de minha esposa. Nossos pais cultivaram algo que é muito comum para os brasileiros, a ideia da copa e cozinha como espaços de convivência, troca, ação conjunta, solidariedade e doação.

O tempo ali despendido é precioso, o compartilhamento do espaço é algo simples, mas, de valor incalculável. Os pratos entregues ao final, das saladas as sobremesas, tem mais sabor e fecham o ciclo de carinho e respeito profundo que existe entre os participantes. E isso não se circunscreve, é claro, a família, pode e deve ser praticado entre amigos ou colegas de trabalho, porque não?

E não acontece somente na cozinha… Passa pela feira livre, por uma visita ao supermercado ou a padaria, na busca pelos ingredientes… Ensina a valorizar e cultuar a boa alimentação, aquela em que não somente o sabor, mas também a saúde é digna de nota.

A própria divisão dos trabalhos, no qual por vezes um dos filhos é o mestre-cuca, a mãe é a ajudante, outro filho fica com a mesa e o pai com a limpeza e organização da praça, lavando os pratos, é igualmente cheia de lições. O aprendizado neste caso se refere ao respeito, a coordenação de ações, a fala ponderada, ao reconhecimento de habilidades, as chances oferecidas a todos e ao servir que não se importa com posições hierárquicas.

Cozinhar tem toda uma química e uma ciência específica que reverte no corpo das pessoas mas que pode e deve ir além de somente alimentar o corpo humano, o que é deveras importante, imprescindível mesmo. A sociabilização permitida pelo trabalho na cozinha é algo de mágico que, nos tempos atuais, com a correria que acomete a vida das famílias, tem muitas vezes ficado em segundo plano, com as pessoas comendo nas ruas, cada membro da família num lugar, rapidamente pois os compromissos atropelam a agenda pessoal dos indivíduos…

Não é possível ter todo o tempo do mundo durante a semana? Que tal usar as horas do final de semana para esta festa e celebração que pode ocorrer nas dependências gastronômicas de sua casa? Ou então a noite, quando todos chegam em casa, ainda que cansados, isso pode ser um momento de descontração.

E não precisa de toda sofisticação dos programas gastronômicos da televisão ou da internet. Basta contar com os ingredientes básicos que sua cozinha já oferece e, principalmente, com a disposição e o interesse de todos em estar ali, compartilhando de coração estes momentos mágicos.

Não importa se o que você está fazendo é apenas uma salada, um sanduíche ou o arroz e feijão de todos os dias. Você sabe fazer poucas coisas? Se atreva a aprender. Se arrisque na cozinha. Mostre que há muitas delícias que você pode tirar da cartola, literalmente, se tiver o apoio e a companhia das pessoas mais importantes do mundo, seus filhos e cônjuge.

Tenha certeza que isso, por mais simples que pareça, pode mudar muito as relações em casa. Além do que, a sabedoria popular mais uma vez nos ensina, por melhor que seja a comida servida num restaurante, o tempero caseiro é irresistível e não é possível de copiar fora de seus domínios, nem mesmo pelos maiores chefs do mundo. Deixe para comer fora menos vezes, em ocasiões especiais ou quando necessário, até mesmo isso será mais valorizado por todos e não banalizado como hoje em dia. Faça destes encontros na cozinha uma celebração a vida em família e, pode estar certo disso, seus filhos nunca irão se esquecer disso, como o menino, filho do artesão das caixas, entendeu perfeitamente a mensagem, e o amor que o pai sentia por ele, em cada um dos trabalhos realizados que lhe ofereceu como presente, para que brincasse…

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