Papel perfurado carinha sorridente

Vivemos num mundo em que a felicidade é algo desejado por todos e perseguido de forma intensa. À primeira vista todos parecem saber, com clareza, o que é felicidade e onde ela reside. Na realidade, o primeiro e decisivo passo rumo a esta condição é a compreensão de seu significado. Este questionamento acompanha a humanidade desde seus primórdios, em especial, a partir da obra de filósofos e poetas. Atualmente é, inclusive, tema de pesquisas científicas, que por meio de modernas técnicas e tecnologias, tentam decifrar como reagimos as experiências por nós vividas e, o que e quanto disso representam nossa jornada rumo a felicidade.

O que é certo, a princípio, é que a felicidade não é perene, tratando-se de partes da trilha percorrida por cada pessoa ao longo de sua existência. Ninguém é feliz o tempo todo. O melhor que conseguimos fazer é manter uma boa média, na qual nos sentimos satisfeitos e em paz com aquilo que conseguimos compor diariamente. Em alguns momentos, no entanto, passamos por momentos de desconforto, insatisfação, estresse, ansiedade, medo e outros sentimentos próprios aos seres humanos, relacionados a contextos específicos e situações momentâneas. Algumas destas situações desgastantes, no entanto, podem se prolongar por períodos mais longos de tempo e, ao perdurar, causam real sensação de tristeza, o oposto da perseguida felicidade, podendo resultar até mesmo em doenças, ou seja, em repercussões orgânicas.

Este tema, tão caro a humanidade, conforme já mencionado, foi alvo de exames e reflexões desde a Antiguidade e, neste interim, entre outros, coube ao pensador grego Epicuro, que viveu entre os séculos IV e III a.C., pensar com profundidade sobre o assunto.

Ao se pronunciar sobre o tema, entre as muitas produções por ele realizadas ao longo de sua existência, das quais, infelizmente, contamos apenas com poucos elementos remanescentes, assim Epicuro se manifestou sobre a felicidade:

“Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la”.

Destacou, em princípio, aquilo que é comum a todos os seres humanos, a perseguição de um estado feliz, no qual estejamos satisfeitos, alegres e em paz por conta daquilo que somos, vivemos e conquistamos ao longo de nossas existências. A perenidade desta busca é outro aspecto notável nesta breve frase, proferida em sua Carta a Meneceu, pois é, de fato, o que estamos a fazer o tempo todo quando não nos sentimos felizes.

Epicuro ressalta, nesta mesma carta, que o ser humano “deve compreender que, de entre os desejos, uns são naturais e os outros vãos e que, de entre os naturais, uns são necessários e os outros somente naturais. Finalmente, de entre os desejos necessários, uns são necessários à felicidade, outros à tranquilidade do corpo e outros à própria vida”.

Ao assim se manifestar Epicuro dá o necessário destaque a ideia de que nem tudo aquilo que desejamos e que imaginamos ser objetos de nossa felicidade irá realmente nos fazer atingir este estado ou condição. Ao deixar claro que há desejos vãos, modernamente ele vai de encontro, por exemplo, ao fato de que somos muitas vezes levados a crer que precisamos de algum produto ou serviço a nós oferecido pelo mercado e vendido como fonte de felicidade por brilhantes estratégias de marketing e divulgação que acabam nos levando ao consumo e a ações impensadas e/ou compulsivas.

Esclarece o pensador, nascido em Samos e que produziu sua obra no período helenístico, que há também os desejos naturais e que, dentre eles, há aqueles que são apenas naturais, como por exemplo alimentar-se, beber água, respirar ou realizar as necessidades fisiológicas básicas e outros, que igualmente naturais, são necessários ou essenciais para a felicidade humana.

Quais seriam, no entanto, estes outros desejos naturais que, segundo Epicuro, conduzem a felicidade? Uma primeira constatação do pensador refere-se a ideia de que precisamos viver de forma mais simples, abdicando de luxos e riquezas supérfluas que não nos fazem mais felizes como pensam muitos, apenas adornam ou dão a impressão para os outros de que, porque contamos com esta fortuna, por termos mais do ponto de vista material, tendemos a uma maior felicidade… Nada mais ilusório e falso…

“O hábito da vida simples e modesta é, portanto, boa maneira de cuidar da saúde e torna, além disso, o homem corajoso para suportar as tarefas que deve necessariamente realizar na vida. Permite-lhe ainda, eventualmente, apreciar melhor a vida opulenta e endurece-o contra os reveses da fortuna”, já naqueles idos nos ensinava o pensador.

Temos aí que a satisfação de nossas demandas imediatas e naturais, como por exemplo, a alimentação, não carecem de mesa fartíssima, com vinhos e queijos importados e caros, por exemplo, para sermos felizes. Se dispusermos apenas do bom vinho local, de preferência produzido em nossas próprias vinhas, com o suor de nossos rostos e do pão e queijo que assamos em nosso próprio forno ou que compramos nas vendas vizinhas, próximas as nossas casas, já podemos ser igualmente felizes, talvez até mais…

Epicuro considera igualmente importante que as pessoas desfrutem de real liberdade e que tenham amigos. No caso, por exemplo, de uma refeição frugal, não bastaria para o filósofo grego ter alimentos de boa qualidade, frescos, à mesa. Segundo seu pensamento, ninguém deve se alimentar sozinho, em hipótese alguma, cabendo isso somente aos animais selvagens, que carecem de inteligência, razão e da necessidade real de socializar, de estar entre semelhantes, trocando ideias, compartilhando experiências e desfrutando da presença de pessoas pelas quais nutre sentimentos de amizade.

Ao se referir a liberdade, Epicuro vai além da ideia da pessoa que não está presa a amarras, como por exemplo, a homens e mulheres que se submetem ao trabalho simplesmente pela necessidade de pagar suas contas e que, por isso, acatam as demandas de chefes e empresas que não os respeitam e os fazem se sentirem infelizes em seus espaços de realização profissional. Isso, é claro, igualmente compromete a felicidade humana, mas sua plena liberdade é aquela promovida pela compreensão do seu ser, de suas origens, necessidades, relações estabelecidas, entendimento do mundo ao seu redor, capacidade de realização… Nenhum homem pode ser feliz se não se realiza de fato, ou seja, se compromete sua existência sendo algo que não é… Neste sentido, o homem precisa da filosofia e dos elementos que são por ela oferecidos para que possa se situar no mundo, compreender seu entorno e a si mesmo.

Felicidade, nos conformes de Epicuro, passa, portanto, pela simplicidade ou frugalidade em nossas vidas, por uma existência em que sejamos cientes de quem somos e do mundo ao nosso redor e, da liberdade que esta compreensão nos permita. Neste sentido, arremata o pensador: “O homem sereno procura serenidade para si e para os outros”.

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