Grupo de pessoas lendo em conjunto

Há algum tempo atrás, para ser mais preciso, até os anos 1990, existia no Brasil uma empresa que vendia livros de capa dura, com títulos variados, de clássicos brasileiros a best-sellers internacionais, passando por materiais de caráter técnico, autoajuda, economia, educação, arte e todos os gêneros existentes no mercado. Era o Círculo do Livro. Fui assinante do serviço e, por meio de seu catálogo, foi possível não apenas criar uma bela biblioteca particular (que já não é tão grande e vistosa como em outros momentos, com boa parte dos livros já tendo sido doados a biblioteca pública de Caçapava/SP, minha cidade natal), mas principalmente estabelecer o diálogo que se espera com grandes escritores, filósofos, pensadores de diferentes estirpes e áreas do conhecimento.

Esta proposta, a de venda de livros, de porta em porta, no entanto, além de semear novos leitores, de forma individualizada, pode ser repensada para o contexto educacional, para que ações de estímulo a leitura sejam implementadas.

A regularidade da leitura depende, e muito, do ensejo da família e das ações planejadas e previstas pelos educadores. A ação dos pais ou responsáveis se consolida pelo exemplo e pela disponibilização de recursos para a leitura. Pais e mães que praticam a leitura de forma regular, lendo jornais, revistas e livros, por si só, já provocam os filhos a conhecer, reconhecer, identificar, buscar e realizar a leitura.

Se os pais, além de leitores regulares, se dispõem a promover a leitura, desde tenra idade, quando as crianças ainda nem foram alfabetizadas, por meio da contação de histórias, reproduzindo as fábulas, lendas e contos infantis, se estabelece não apenas a conexão com o mundo das letras, a composição de histórias e o diálogo com os autores, mas principalmente os laços afetivos com a leitura são construídos e, com isso, a busca mais regular e o apreço por esta prática se consolidam.

Quando falamos no ensejo da família, com a oferta de livros e outros recursos de leitura, como atualmente, também com os e-readers e e-books, é preciso pensar que há as opções públicas, gratuitas, com a oferta de materiais em bibliotecas escolares e públicas.

A leitura, no entanto, não precisa ser vista e percebida apenas como uma atividade individual, solitária, em que que uma pessoa e um livro, isolados num canto da casa, no ônibus, na praia ou onde estiver o leitor, se fecham ao resto do mundo. É claro que, num primeiro momento é isso que irá ocorrer, mas ampliar os horizontes, com ações em que o que foi lido seja compartilhado, gerando interação e crescimento para outras pessoas, pode e deve acontecer.

Neste sentido, a escola é o espaço em que podem se estabelecer “círculos do livro”, cirandas literárias, clubes de leitura e afins. Se isso já é algo regular nas escolas na educação infantil e no ensino fundamental em seu ciclo inicial, o movimento se altera para os alunos a partir do Ensino Fundamental 2, quando se estipulam leituras obrigatórias, de caráter periódico (bimestrais/trimestrais), relacionadas a escolhas ou preferenciais dos docentes, consolidadas pelo tempo e, pouco ou nada relacionadas aos interesses dos jovens leitores.

Esta linha de trabalho tem, ainda, um outro problema ao centrar-se apenas na leitura individualizada que irá redundar numa avaliação acerca do livro ou produção de resenha sobre a trama lida.

A troca, o debate, a reescrita, a dramatização, a contação de histórias, a produção de vídeos ou podcasts e outras ações que levem os alunos pensar e repensar as histórias lidas é algo a ser feito, promovido de modo regular pelos professores, gerando interação entre os alunos e a reflexão sobre as obras lidas por eles.

A oferta de diferentes títulos, criando pequenos grupos que irão ler obras diversas, a serem depois compartilhadas com os demais colegas, é também iniciativa interessante que, certamente, irá aumentar o interesse e, com isso, gerar maior participação dos educandos.

Ler para cumprir tabela não é algo desejado e, muitas vezes, é o que ocorre em tantas escolas a partir do ciclo 2 do ensino fundamental e também no ensino médio. O estudante tem que ser motivado, ter interesse, querer ler o livro, apreciar diferentes ideias, conhecer novas narrativas e autores, senão qualquer iniciativa neste sentido se torna inócua, vazia, desprovida de sentido e irá redundar em pouco ou nada.

Todos estamos a par do fato de que muitos estudantes hoje, com tanta disponibilidade de materiais na internet, não leem os livros pedidos por seus professores, buscando resumos, vídeos explicativos, resenhas especializadas, dicas de outros estudantes e que, com base na informação obtida, se preparam para as provas sobre os livros pedidos na escola.

Qualquer ação educacional tem que ser significativa para os estudantes e, para isso ocorrer, demanda mais trabalho e planejamento por parte dos professores, inclusive em relação a iniciativas relacionadas a leitura.

Clubes ou círculos do livro devem ser propostos na escola, com participação voluntária, além dos projetos que fazem parte do plano de aula das matérias em que são previstas. Esta, aliás, é outra questão importante, ou seja, que as leituras planejadas sejam trabalhadas de modo interdisciplinar.

Ao se realizar a leitura de “Capitães de Areia”, de Jorge Amado, “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, ou de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, títulos literários importantes relacionados a cultura, a história e a realidade do Brasil, é importante que se estabeleçam laços e que se definam ações envolvendo língua portuguesa, redação, literatura e as humanidades (história, geografia, filosofia e sociologia).

Oferecer títulos relacionados a ciência, de caráter ficcional, como o clássico “Frankenstein”, de Mary Shelley, permite diálogos e práticas envolvendo biologia, filosofia e literatura. Resgatar obras como “O homem que calculava”, de Malba Tahan, pode fazer com que a matemática se torne mais significativa. Promover títulos mais recentes, como “Eu sou Malala”, de Malala Yousafzai, vencedora do prêmio Nobel, ou “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini, vai fazer com que os alunos conheçam novas culturas.

Igualmente importantes são os registros escritos acerca das obras lidas que, a despeito do que regularmente é feito, em que aplicam-se provas ou pedem-se resumos/resenhas, precisa ser pensado e proposto de forma mais criativa, usando, por exemplo, as tecnologias como meio de expressão, criando páginas em blogs, redes sociais ou por meio de vídeos a serem postados no YouTube através dos quais a compreensão dos alunos no tocante aos livros lidos, seja compartilhada e inspire, motive e auxilie outros estudantes, gerando interação pela rede. Nestes casos, os professores passam a analisar a produção textual e compreensão das obras de seus alunos agindo como curadores das produções disponibilizadas virtualmente.

O que se deseja, acima de tudo, é que os estudantes, em qualquer idade, passem a apreciar a leitura, a dedicar tempo aos livros, a se debruçar em jornais e revistas para que estejam atualizados e sejam capazes de ampliar sua compreensão de mundo, se tornando leitores não apenas das páginas e dos escritores, mas da realidade e, em assim sendo, tornando-se mais aptos e capazes de agir de forma ética, cidadã, justa e inteligente por um mundo melhor.

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