Silhueta de uma família

O presente da vida torna a existência doce, terna e suprema. Quando nasce uma criança que traz em si o seu DNA, realiza-se o milagre maior. Como tudo na vida, não há manual de instruções para lhe orientar as ações, por isso mesmo, buscamos referências naquilo que vivemos, tentamos aprender um pouco mais lendo sobre o assunto ou ainda deixamos a vida nos levar e aprendemos na lida mesmo.

Por não existir a receita do bolo perfeito, somente indicações dadas por nossos pais, amigos, irmãos, avós, colegas de trabalho e tantas outras pessoas, queremos chegar na medida ideal, mas temos que convir o quanto de imperfeições, imprecisões e erros irão ocorrer ao longo do caminho para que possamos chegar nos melhores resultados.

Não há mar sem ondas e, ao longo do caminho, em nossa navegação, iremos nos deparar com algumas tempestades e tormentas a tornar a navegação um pouco mais difícil. O que nos mantém na rota, como mapas em alto-mar, é o amor, o carinho, o respeito, o sonho de família e o desejo de um futuro feliz para os filhos.

Não existem filhos perfeitos. Saber disso ajuda. Todos eles trazem qualidades que nos fazem ter orgulho e, ao mesmo tempo, tem seus pequenos defeitos. São, em essência, como qualquer ser humano e, no seu íntimo, carregam muito dos pais. Belchior foi sábio ao compor a música “como nossos pais”, magistralmente gravada pela saudosa Elis Regina. 

Além dos pais, o contexto e as companhias compõem os arranjos, as letras e a música quando pensamos na orquestração da vida de nossos filhos. Incentivar e orientar os filhos, desde que são crianças para aquilo que gostaríamos viesse a ser parte de sua história futura, como por exemplo, gostar de ler, praticar esportes, se alimentar corretamente, se relacionar bem com as pessoas, agir de forma educada, ser organizado com suas coisas, entre outras aspirações dos pais, passa por constância, prática e exemplo.

Em muitos casos, gera reclamação, ocasiona pequenas rebeliões, motiva a conhecida “cara feia” ou frases do tipo: “eu não gosto mais de você” (nem menos, diga-se de passagem). É comum, não é mesmo? Quem gosta de ser cobrado que levante a mão. Nenhum de nós gosta. O tempo ajuda. A maturidade irá lhes fazer entender o quanto foi importante ter por parte dos pais tanto o sim quanto o não. Fazer apenas o que gostam é dar-lhes informação falsa e/ou errada sobre como é o mundo lá fora. Responsabilidade, respeito, ética, cidadania, comprometimento, profissionalismo e outras qualidades necessárias para o sucesso na vida dependem muito de como em casa os pais trabalham com seus filhos.

É preciso que eles participem da vida familiar. Dividir pequenas tarefas ajuda a dar-lhes este sentido de coletividade. É claro que isso deve ser ponderado conforme a idade das crianças, mas no geral, desde cedo é importante assim agir para que na cabeça dos filhos já fique registrada a compreensão do ser solidário, colaborativo e participativo.

Erramos e acertamos com nossos filhos. Assim como nossos pais também com cada um de nós. Mas no cômputo geral, o que irá prevalecer são as lições aprendidas, tanto aquelas que provêm dos problemas e dificuldades, quanto as que são resultado dos êxitos e alegrias. Agradeço sempre pelos pais que tenho e como ao longo de nossas vidas foram (e continuam sendo) grandes parceiros, amigos mesmo, mas acima de tudo, sem nunca se furtar a responsabilidade de pais, que em determinados momentos precisaram ser mais firmes, duros mesmo, para que até as lições mais amargas pudessem ser aprendidas.

Ao olharmos para os filhos, temos que igualmente ter a consciência de que, apesar de carregarem nosso sangue e muitas de nossas características, seja em seus traços, andar, olhar, modo de falar ou mesmo em trejeitos, são outras pessoas e que, como tal, devem ter sua individualidade respeitada e estimulada, assim como seus sonhos e aspirações devem ser igualmente considerados.

É lícito e legítimo admirar os filhos dos outros, mas que isso não o leve a depreciar os seus próprios. Na propriedade do vizinho a grama sempre parece mais verde, não se esqueça disso. Há problemas lá como cá, ou seja, mesmo naquelas famílias que parecem modelares, há problemas e dificuldades. A receita de bolo pode parecer melhor entre eles, mas creia-me, também eles têm seus momentos difíceis. Além disso, e muito mais importante, diga-se de passagem, os pais devem acreditar e investir nos seus filhos, trabalhar com eles, dividir suas dúvidas e dificuldades, falar sobre suas experiências (tanto as boas quanto as ruins), mas acima de tudo, se mostrarem presentes e participativos. O amor, o carinho, o respeito, a consideração e o diálogo são as melhores ferramentas para ajudar os próprios filhos a serem mais felizes.

Criar filhos é uma responsabilidade dividida, entre o pai e a mãe, por isso mesmo, a sintonia é necessária. Em um cenário como o atual, em que a família nuclear, ou seja, aquela instituição mais consolidada de algumas décadas atrás já não é o único modelo vigente, é preciso buscar este equilíbrio mesmo entre pais separados. As responsabilidades são de ambos e o diálogo franco, honesto e civilizado deve prevalecer em situações como estas. Apesar das diferenças e rusgas que levaram ao fim do relacionamento, se desta história juntos surgiram filhos, acima das mágoas deve prevalecer o compromisso pelo futuro da criança. Trabalhar juntos, dividindo as atribuições, não se atendo apenas aos compromissos mais óbvios, como aqueles relacionados a manutenção material dos filhos, mas lhes propiciando carinho, acolhimento e ao mesmo tempo estando presentes para orientar e cobrar quando for necessário, continua a ser, ainda que separados, missão dos pais. Se novas famílias foram estruturadas, as pessoas que entraram na história também devem participar, colaborar, agir em prol da criança e do adolescente. Não é fácil, mas o que se vislumbra ao final é o futuro de um filho e, em relação a eles, não desistir nunca, mesmo diante dos cenários mais difíceis é algo que está no coração dos pais.

Ser pai e ser mãe, repito, é maravilhoso. Só tenho a dizer que por mais que em alguns momentos as coisas pareçam difíceis, somente por tê-los ali, perto, a participar conosco, a dividir suas opiniões, a simplesmente nos apoiar ou mesmo a nos contestar e de algum modo nos ajudar a rever opiniões, já é um grande presente. Acima de tudo, no entanto, o que há de maior e mais belo neste laço familiar que se estabelece é o amor que reúne pais e filhos, numa relação que apesar de algumas intempéries, nos permite o que de mais elevado é permitido a humanidade, ao dom supremo da vida em todas as suas nuances e possibilidades.

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