Jovens em uma passeata com as mãos levantados em protesto

Já se disse que o pior da ditadura é o guarda da esquina, significando que o rompimento da ordem constitucional contamina todos os segmentos do Estado, como se autorizasse cada representante do poder, por mais insignificante, a agir como um pequeno tirano. Podemos acrescentar que, além do guarda da esquina, existem os amigos e parentes do ditador, sempre dispostos a usufruir os privilégios de tal relação.

Neste momento, segmentos da sociedade, ingênuos ou nem tanto, desejam reeditar marchas salvadoras de meio século atrás, como se “ir aos bivaques bulir com os granadeiros” (como dizia o marechal Castelo Branco) pudesse conduzir a alguma solução para questões de insegurança, corrupção e descalabros outros, que nos infelicitam a todos.

Quando ocorreram as marchas originais, o país estava à beira de algo como uma guerra civil – esquerda e direita vociferavam abertamente planos sangrentos para a imposição de suas visões do paraíso. A direita conquistou o apoio de grande parte da classe média e da imprensa e, finalmente, das forças armadas, que só esperavam o convite. O golpe militar foi consequência.

Fala-se, sem provar, que os comandantes do primeiro governo militar pretendiam garantir a realização das eleições presidenciais de 1965. Mas pressões de outras alas, desconfianças acerca dos dois prováveis candidatos mais fortes (o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o governador da Guanabara, Carlos Lacerda), o gosto doce do poder, e as aspirações dos onipresentes parentes e amigos, remeteram as boas intenções às calendas. O processo seguiu seu curso inevitável – e amargamos anos de ditadura.

Temos o sentimento de que algo está muito errado no país. Não nos sentimos seguros nem em nossas próprias casas; não temos confiança nos agentes públicos e privados; vemos escândalos se avolumarem em todas as instâncias de governo. E queremos solução; e temos pressa; e, às vezes, cedemos à tentação infantil do remédio mágico, como se um poder absoluto pudesse encarcerar para sempre todos os maus, limpar rapidamente as instituições, garantir a poder de espada prosperidade e justiça. Já vimos filme parecido. Não acaba bem. Muitos morreram até mesmo antes do final.

Uma observação que se ouve com frequência de pessoas mais velhas é que “no meu tempo era melhor”. A percepção do passado tem quase sempre certo viés de irrealidade, como se fosse lembrança apenas da parte boa do ocorrido. Uma tarde distante de chuva parece ter se constituído apenas da beleza da própria chuva, sem o desconforto dos pés molhados ou do transito complicado. Os saudosos da ditadura lembram sua própria juventude, idealizam um tempo em que acham que tudo era mais simples e certo. Esquecem mortes, prisões ilegais, tortura, arbitrariedade e censura – e de que mesmo um Congresso com graves defeitos é muitíssimo melhor que um Congresso fechado.

Educadores têm a obrigação da clarividência – não a dos magos que preveem o futuro em folhas de chá, mas no sentido lato: visão clara. Olhar com cuidado, discernimento e sem paixões o momento dos jovens, ainda nem nascidos quando tudo aconteceu, para que não se enganem: segundo o mito, os vampiros aos quais se permite entrada não sairão tão facilmente.

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