Imagem de capa do filme: O jovem Karl Marx

A construção de obras exponenciais da ciência, filosofia, direito, arte, economia, medicina, arquitetura e tantas outras áreas de realização humana poucas vezes é apresentada para quem vem a conhecê-las depois de sua disponibilização. Não sabemos como as produções de Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Marie Curie, William Shakespeare, Albert Einstein ou Hannah Arendt, entre tantos nomes expressivos da cultura mundial, foram concebidos.

E para uma plena compreensão da produção de grandes homens e mulheres, como os citados, é preciso conhecer o contexto em que viveram, os pormenores de suas vidas pessoais, a situação das nações em que viviam, as condições socioeconômicas daqueles momentos específicos da história.

Muitas vezes não sabemos, nem ao menos, quem foram estas pessoas, como viveram, quem foram seus familiares e amigos, de onde vieram as influências para que compusessem suas obras.

Temos acesso a informações esparsas, espalhadas, recortadas, selecionadas proposital ou aleatoriamente por quem as reproduz e, com isso, imaginamos saber quem foram tais personagens marcantes da história, que por meio de suas produções, influenciaram o mundo a partir do momento em que publicaram suas ideias, realizaram suas obras, compuseram suas sinfonias ou criaram novas teorias filosóficas ou científicas.

Alguns destes grandes nomes, por terem vivido num passado mais distante, não contam, nem mesmo, com imagens em profusão que nos permitam conhecê-los melhor, saber quem foram e identificá-los além das poucas fotografias, pinturas ou esculturas através das quais foram imortalizados.

O filósofo alemão Karl Marx e Friedrich Engels, seu contemporâneo e parceiro em obras e estudos em que discorrem sobre o capitalismo e os demais modos de produção existentes ao longo dos tempos, tiveram sua prolífica obra traduzida e publicada em praticamente todo o globo, ainda assim, são pouco conhecidas as condições de vida e biografia de ambos.

Quando pensamos e Marx e Engels, as imagens que nos fazem relembrar tais pensadores são aquelas reproduzidas em livros didáticos ou pela internet, em que ambos já são idosos, com cabelos e barbas brancas, como se não tivessem vivido tantas experiências ao longo de suas vidas, tendo sido crianças, adolescentes, jovens, adultos e, ao final, atingido a terceira idade. Não conseguimos pensar que, em termos objetivos e reais, vivenciaram as condições duras de vida do século XIX na Europa, que tiveram família, contas para pagar, embates duros com interlocutores que não concordavam com suas ideias e propostas e, mesmo, como tudo isso influenciou suas obras.

Sim, Marx e Engels foram jovens, idealistas, ativos, que formaram famílias, tiveram esposas engajadas e que compuseram, também eles, suas proles. Engels, era herdeiro de indústrias, mas apesar disso – como é o caso do socialista utópico Robert Owen, pensador e empreendedor fabril galês, que tentou empreender reformas em suas fábricas para melhorar a qualidade de vida de seus trabalhadores e que, por isso, veio a falir – não se conformava com as diferenças sociais. Fez brilhante estudo sobre as condições de vida do proletariado inglês no século XIX a partir de um estudo de campo, minucioso, juntamente a operários de manufaturas de sua família e de outros industriais que conhecia e acabou se apaixonando pela irlandesa Mary Burns, de origem humilde, aguerrida lutadora em prol dos direitos dos trabalhadores, que veio a ser sua esposa. Não teve filhos com ela e, após seu falecimento, passou a viver com a irmã de Mary, Lydia Burns, mais conhecida como Lizzie, mãe de seus filhos.

Marx, por seu lado, casou com a aristocrata Jenny Von Westphalen, de família tradicional na Alemanha ainda não unificada, com quem teve 7 filhos. Jenny não hesitou em deixar para trás a vida confortável que tinha, como filha do Barão Von Westphalen, para viver em diferentes países, sendo expulsa com seu marido da Bélgica, França e Alemanha, até fixarem residência definitiva na Inglaterra, sempre apoiando as obras e o trabalho de Karl.

“O jovem Karl Marx”, filme do diretor Raoul Peck, produzido em 2016, nos coloca em contato com Marx, Engels, Mary, Jenny e Lizzie, permitindo que tais personagens de vulto da história mundial, seus familiares e amigos, sejam humanizados e, com isso, que as novas gerações os percebam como pessoas que realmente estiveram por aqui, ou seja, que como qualquer um de nós, vivenciaram muitas experiências, boas e ruins, felizes ou tristes e, ainda, como tudo isso foi marcante e importante para a composição de livros como “O Capital”, “A ideologia Alemã”, “A situação da classe trabalhadora na Alemanha” ou o “Manifesto Comunista”, entre outros.

O filme do diretor Peck, uma coprodução francesa, belga e alemã, apresenta momentos marcantes da história de Marx e Engels, como por exemplo, como teriam se conhecido e iniciado sua parceria, as perseguições políticas a que foram submetidos, a expulsão de Marx da França, as condições de vida humildes e difíceis da família do autor de “O Capital”, como a demonstrar, na prática, as dificuldades que retratou nesta e em outras obras de sua autoria.

Há, também, menção ao surgimento dos movimentos de trabalhadores, com a composição de suas ligas e sindicatos, o encontro com outros intelectuais daquela época, como o francês Proudhon e o anarquista russo Bakunin, a ilustrar a efervescência política e ideológica daquele momento histórico.

Como composição baseada em biografias e estudos sobre a vida de ambos, “O jovem Karl Marx”, ao longo de 2 horas de duração, apenas introduz o espectador ao contexto e a vida de Marx e Engels, destacando tanto seu empenho e os estudos que realizaram, em meio as dificuldades em que viveram, quanto a algumas particularidades de suas existências pessoais.

A humanização dos personagens centrais, permitindo que as puídas imagens que existem a registrar Marx e Engels idosos deixem de ser as referências únicas conhecidas pela atual geração é, talvez, um dos maiores ganhos para quem assiste ao filme. Esta produção cinematográfica constitui uma boa introdução ao tema, ou seja, serve apenas como “aperitivo” para quem deseja saber mais, sorver a obra e a vida destes pensadores alemães com mais detalhes e informações.

Para entender, de fato, quem foram estes grandes pensadores, sua obra, o alcance global que tiveram e ainda têm, é preciso ler tanto os grandes tratados filosóficos, estudos econômicos e sociais que produziram, contextualizando – ou seja, relacionando tal produção a época em que viveram, buscando mais informações sobre suas vidas pessoais por meio de modernas biografias produzidas e lançadas no mercado editorial sobre eles, como por exemplo, “Karl Marx – Grandeza e Ilusão”, de Gareth Stedman Jones, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

O que sobressai ao assistirmos um filme como “O jovem Karl Marx”, além da bela reconstituição de época, locações que procuram nos colocar naquele momento histórico e atuações destacadas dos atores que personificam Marx, Jenny, Engels e Mary, é a percepção de que as obras de ambos, lidas num tempo tão distante, são ainda muito relevantes para entender, não apenas sistemas ou modos de produção, mas principalmente, a natureza humana.

 

Assista o trailer do filme:

 

Ficha Técnica

  • Título: O JOVEM KARL MARX
  • Título original: Le Jeune Karl Marx
  • País/Ano: Alemanha/França/Bélgica, 2017
  • Duração: 118 minutos
  • Gênero: Drama, Biografia, História
  • Direção: Raoul Peck
  • Roteiro: Raoul Peck e Pascal Bonitzer
  • Elenco: August Diehl, Stefan Konarske, Vicky Krieps. Olivier Gourmet, Alexander Scheer, Hannah Steele, Denis Lyons, Eric Gordon.

Informações

Pular para o conteúdo