Professora orientando alunos

“A formação dos professores do ensino médio precisa estar mais focada em capacitar para exercer o papel de gestor do conhecimento do que o de detentor das respostas para todas as perguntas”, nos ensina Mariano Fernandez Enguita,  diretor e pesquisador do Departamento de Sociologia e Comunicação da Faculdade de Educação da Universidade de Salamanca, na Espanha.

Autor de livros como “Educar em tempos incertos” e “A face oculta da escola”, publicados no Brasil pela Artmed, Enguita é um dos defensores da revisão do papel dos professores em sala de aula, propondo que passem a atuar como curadores e organizadores da aprendizagem e não mais como centro do conhecimento, protagonistas únicos, sem que deem voz e ensejem a ação de seus alunos.

Este novo professor, segundo Enguita deve ser capaz de aprender “a distinguir os dados comparativos e os resultados científicos das opiniões, das modas passageiras e dos elixires milagrosos” sendo então capaz de se transformar em docente mais especializado e capaz de trabalhar com seus pares, em equipes, em espaços e grupos mais flexíveis, de modo a criar aulas mais instigantes, provocativas, capazes de mobilizar seus estudantes, articuladas com o mundo em que vivem.

Ao mesmo tempo em que repensa a atuação docente, Enguita demonstra preocupação real com as mudanças que ocorrem no mundo globalizado e que, de certa forma, esvaziam a educação escolarizada, tirando das instituições educacionais a sua primazia como centros de formação. O pesquisador espanhol destaca que vivemos verdadeiro paradoxo pois as novas gerações, ainda que fiquem por mais tempo nas escolas, estão tendo maior dificuldade para entrar no mundo do trabalho.

Esta realidade contrasta, segundo ele, com o que ocorre fora do âmbito escolar, em particular a partir do que é disponibilizado para crianças e adolescentes por meio do universo virtual, espaço que a cada dia que passa amplia sua presença juntamente as novas gerações, não apenas como plataformas informativas ou de entretenimento, mas como base de aprendizagem. É possível perceber isso pelo uso cada vez maior de vídeos, games, animações e simulações por parte deste público como elemento que os introduz a conceitos complexos ensinados nas escolas. Não há, no entanto, real articulação para que isso ocorra como parte de um currículo educacional, em espiral, entendido como parte dos processos e elementos que nos circundam e que há séculos são estudados por cientistas, pesquisadores, humanistas, artistas e tantos outros estudiosos.

Não se trata de excluir as possibilidades oferecidas pelo mundo digital, que é certamente atraente e motivador para os estudantes do novo milênio, mas de tentar conciliar e aproximar cada vez mais estes elementos do trabalho realizado nas escolas pelos professores.

Esta aproximação é que é difícil, apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos, pois ainda persiste nas escolas uma forma de ensinar pautada em parâmetros e bases do século XX, em que o docente professa saberes por ele adquiridos em sua formação universitária, de modo a reproduzir conhecimentos e esperando que seus alunos os incorporem, entendam e reproduzam em ciclos avaliativos.

Ensinar química, história ou inglês deste modo não mais atinge os objetivos esperados e, com isso, torna maçante a atividade escolar, desmotivando os alunos que, por isso, apenas “cumprem tabela” ou que, após a completude dos ciclos legalmente exigidos, não prosseguem seus estudos, preferindo aprender no mundo virtual. Isso aumenta o universo dos chamados “nem-nem”, ou seja, dos jovens que nem estudam, nem trabalham e vivem às custas de seus pais ou de outros parentes.

Os professores, segundo Enguita, têm perdido status e sem o necessário reconhecimento social, decorrente do esvaziamento de seus préstimos, ofuscados pelo aprendizado online de seus alunos, com turmas pouco engajadas, precisam atualizar suas práticas, deixando de ser os detentores do conhecimento, incorporando as novas metodologias ativas e de projetos a suas iniciativas, contando com os recursos digitais como aliados em suas aulas.

O diretor e pesquisador da Universidade de Salamanca acredita que é preciso “reprofissionalizar” os professores. Isso na prática significa rever seus processos formativos nas universidades, atualizando os currículos, tornando-os mais significativos e conectados com o mundo em que vivemos neste século XXI. Segundo o professor Enguita, é necessário que os novos docentes, em sua trajetória rumo ao trabalho nas escolas, realizem especializações e estágios, que contem com apoio e supervisão de docentes que tenham reconhecimento por seus serviços prestados, numa espécie de coaching, ação que, por exemplo, tem sido realizada em redes de ensino público como a de Nova Iorque, com expressivos resultados juntamente aos alunos.

É necessário firmar entre os professores uma forma de pensar científica, que os faça buscar novos dados, ler artigos e pesquisas recentes, manter-se atualizado quanto aos saberes específicos de suas áreas do conhecimento e também da pedagogia, para que inovem e renovem constantemente sua prática pedagógica e, com isso, tenham real impacto juntamente a seus alunos.

Enguita explicita também a necessidade de conhecimentos num campo chamado por ele de alfanumerização digital e midiática, para que os professores saibam e possam lidar com a profusão de dados, estatísticas e números oferecidos pelas plataformas digitais hoje, em especial aquelas relacionadas diretamente ao seu trabalho, na área educacional, que oferecem minúcias sobre seus próprios estudantes.

É preciso deixar de lado os “achismos” e as modas passageiras, não buscar fórmulas milagrosas, conforme deixa claro o pesquisador espanhol, e lidar com dados, com a concretude, para que com isso seja possível maior efetividade nos estudos.

Outra importante alteração no papel do profissional de educação em seu ambiente de trabalho é a necessidade de trabalhar em equipe, integrar-se a grupos, trocar com outros professores que atuam em seu próprio meio ou mesmo a distância, realizar de fato a interdisciplinaridade.

Torna-se fundamental fazer com que os espaços de trabalho sejam flexibilizados, tanto no tocante a integração de ações entre professores, reunidos em equipes e projetos, quanto na extensão da sala de aula e da própria escola para um universo mais amplo, seja no âmbito local ou ainda maior, contando para isso com o uso das novas tecnologias de informação e comunicação.

Enguita afirma que a “formação (de professores) terá que ser cada vez menos como a do conferencista sedutor, que sabe e explica tudo, e mais como a de um planejador, um curador e organizador de contextos e processos de aprendizagem”.

Nessa direção é preciso pensar a escola como um espaço em que se oferecem oportunidades iguais para todos os estudantes, mas que é preciso validar e reconhecer os esforços de cada aluno, dando a eles, por suas realizações, as devidas recompensas, reconhecimento e títulos.

Temos, portanto, muitos desafios pela frente para efetivar esta nova escola e, em especial, na alteração da cultura dominante quanto a atuação do professor. Não é uma tarefa fácil a que se coloca diante dos educadores, mas é exequível, ou seja, depende de cada um dos envolvidos. A hora então é de arregaçar as mangas e trabalhar para que este novo professor, curador e organizador de suas aulas e cursos, seja realidade.

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