Adulto estudando

Introdução

Dissociada da realidade social, a disciplina História não faz mais do que reproduzir um conhecimento desarticulado, despolitizado, fragmentado e cada vez mais tomado como prática educativa que desenvolve nos alunos o mito da “memória nacional” com seus heróis e vilões.

O ensino de História para EJA deve contribuir para o resgate dos valores humanísticos que vêm sendo desvalorizados no contexto atual das sociedades capitalistas, como por exemplo, a ética, a cidadania e a educação como direito de todos.

A experiência docente

Durante dois anos e meio, fui professora de História na modalidade EJA, (Educação de Jovens e adultos) em escolas da rede pública estadual do Espírito Santo. Sinto-me assim à vontade para falar dos meus anseios e expectativas em relação a esse público.

Aceitei o desafio de trabalhar com essa modalidade de ensino e a partir desta oportunidade, dediquei-me, ainda que a escola não oferecesse adequadamente condições físicas, materiais e pedagógicas.

A realidade das escolas em que trabalhei correspondia a alunos, em sua maioria, carentes emocional e materialmente, além de alguns ainda estarem envolvidos no mundo das drogas e do crime.

Ainda assim não devemos deixar de levar em consideração também os anseios e expectativas desses alunos: alguns estavam estudando pela busca do conhecimento; outros pela necessidade de se ter um diploma para uma promoção no emprego; outros eram obrigados pelos pais, enquanto outros almejavam uma participação político-social mais ativa.

A partir desse contexto, organizei as aulas de forma dinâmica, buscando sempre no processo de ensino aprendizagem interagir com os alunos, ao mesmo tempo, incentivando a consciência crítica dos mesmos. O grande desafio, no entanto, era avaliá-los.

O processo avaliativo

O termo avaliar tem sido associado a expressões como: fazer prova, atribuir nota e fazer exame. Esta associação, tão freqüente em várias escolas, é resultado de uma concepção pedagógica arcaica, mas tradicionalmente dominante.

Nela a educação é entendida como mera transmissão e memorização de informações prontas e inquestionáveis e o aluno é visto como um ser passivo e receptivo. Conseqüentemente, a avaliação se restringe a mensurar a quantidade de informações retidas e assume um caráter seletivo e competitivo.

Entretanto, dentro de uma concepção mais moderna, a avaliação não se reduz apenas a atribuir notas. Segundo Haydt (1997,p.14),“atualmente, a avaliação assume novas funções, pois é um meio de diagnosticar e de verificar em que medida os objetivos propostos para o processo ensino-aprendizagem estão sendo atingidos”.

Neste contexto, a avaliação assume uma dimensão orientadora e norteadora, pois permite que o aluno tome consciência de seus avanços e dificuldades, para continuar avançando na construção do conhecimento.

Para Luckesi (2005),”avaliação da aprendizagem é o ato de diagnosticar o desempenho do estudante, tendo em vista auxiliá-lo a chegar ao nível mínimo necessário de aprendizagem.”

Ainda assim, alguns professores compreendem a avaliação por meio de perguntas e respostas objetivas e diretas.Torna-se assim,questionável a manutenção de testes e provas como instrumentos suficientemente capazes de representar o conhecimento de jovens e adultos educandos.

Acredito que a avaliação deva reconhecer e valorizar o conjunto de competências que vão além da dimensão cognitiva, constituindo-se mais no “saber-ser” do que no “saber-fazer”.

É importante ressaltar que essa modalidade de ensino é oferecida aos que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio, na idade própria. Nesse sentido, o instrumento avaliativo determinado pela maioria das escolas- a prova- não pode ser visto como única opção de avaliação.

Essa deve valorizar e buscar propiciar ao aluno a questionar, a pensar de forma critica e consciente. É nesta perspectiva que a avaliação deve ser pensada.

Nas aulas de História, os conteúdos eram selecionados a partir de características dos alunos da EJA e eram organizados e desenvolvidos de modo a viabilizar interativamente o processo de construção do conhecimento, tais como: a utilização de vários recursos didáticos;debates e discussões, como formas de desenvolver a capacidade de argumentar, ouvir e refletir sobre o ponto de vista do outro e explicitar o próprio raciocínio, permitindo a sistematização e socialização do conhecimento.

A relação educador – educando

Paulo Freire (Educação,1994), relata que “o educador precisa partir do seu conhecimento de vida e do conhecimento de vida do educando, caso contrário, o educador falha”.

Cabe ao professor perceber o que os alunos almejam com os estudos e com base nessa informação, ele deve construir uma prática para atender às diferentes necessidades de aprendizagem. Deixar que cada aluno contribua com suas lembranças e experiências é fundamental para que todos se sintam inseridos neste processo. 

Nesse caso, deve-se priorizar o que é relevante de fato para a turma, ao mesmo tempo repensar as formas de mediação dos conteúdos e de avaliação da EJA.

O jovem e o adulto trazem consigo uma história de conhecimentos e saberes acumulados, e ainda reflexões sobre o mundo. Nós enquanto professores, podemos capitalizar isso por meio de atividades que remetam ao cotidiano deles e exemplos que unam informação teórica com experiência de vida.

Se nós educadores valorizarmos a sabedoria dos alunos e estabelecermos analogias e ligações com a realidade deles, vai facilitar em muito o processo de aprendizagem, ao mesmo tempo em que os estudantes vão se sentir menos tímidos, rompendo assim o desconforto de estar aprendendo tardiamente.

Além das dificuldades de se avaliar os alunos da EJA, professores essencialmente da rede pública, se deparam com a escassez de materiais específicos para essa modalidade de ensino. Para driblar a questão, é necessário criar estratégias didáticas capaz de contribuir na formação do aluno enquanto sujeito histórico.

Outra realidade ainda dessa modalidade de ensino é a evasão escolar. Ao atrair o adulto para a escola, é preciso garantir que ele não a abandone.

Certamente as altas taxas de evasão têm origem em vários aspectos, entre eles: a má formação de professores, o uso de material didático inadequado para a faixa etária, os conteúdos sem significado, as metodologias aplicadas por professores despreparados e em horários de aula que não respeitam a rotina de quem precisa estudar e trabalhar.

Problemas como esses podem ser amenizados quando há políticas públicas comprometidas com uma educação de qualidade, ao mesmo tempo em que professores passam a conhecer as especificidades desse público e usa a realidade do aluno como eixo condutor das aprendizagens.

Para Nóvoa (1997, p.26),: “A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando.”

Desta forma, as aulas não devem ser elaboradas de modo simplesmente a repassar informações, mas devem despertar o interesse do educando sobre determinado tema, tornando assim a aula o mais interessante e dinâmica possível.

Sendo assim, Antunes(2003) acredita que,”o procedimento do ser humano não pode ser pensado como um processo que reage sempre igual numa determinada circunstância, mas como algo que depende do meio em que este ser está inserido e nunca pode deixar de levar em conta o papel transformador deste ser, sua capacidade ou potencial, em toda a aprendizagem”.

No início das aulas, os alunos não paravam de perguntar o que iria ser cobrado na “prova”. Na verdade, entendia a preocupação dos alunos, pois, estavam acostumados a decorar as informações e depois reproduzir como comprovação do que aprenderam.

Diante dessa realidade, procurei articular os conteúdos socialmente produzidos com a realidade dos educandos. A intenção era que os alunos não aceitassem facilmente as informações, considerando apenas significativas àquelas que estão mais evidentemente explicitadas e expostas no livro didático ou nos documentos, mas que procurassem informações em detalhes não facilmente observados. Neste contexto, é necessário que os professores questionem as visões tradicionais do ensino de História e da própria educação de jovens e adultos.

Em outras palavras, o professor de História deve ser alguém que domine não apenas os métodos de construção de conhecimento histórico, mas também um conjunto de saberes e mecanismos processuais que possibilitam a socialização desse conhecimento histórico. Para Tardif (1991,p.224) “Saber alguma coisa não é mais suficiente para o ensino, é preciso também saber ensinar”.

Refletir sobre a formação e a prática do professor é de fundamental importância se, realmente, se quer mudar a educação. Proponho um ensino que possa desenvolver uma postura critica e reflexiva, diante do conhecimento pensado como construção social e cultural, e não como um campo de ciência neutro, externo aos sujeitos.

É imprescindível que os professores sejam capazes de impor um novo paradigma epistemológico, reformulando a todo momento saberes com vista a atingir uma práxis transformadora.

E quanto à avaliação na EJA? Acredito que ela não pode ser igual à de outros níveis de ensino. Defendo a flexibilização do currículo para avaliar melhor. A marca da história da EJA é a marca da exclusão e submissão estabelecida historicamente entre a elite e as classes populares no Brasil. 

Uma relação que perdura até hoje nas iniciativas que parecem tratar a EJA como um favor, uma compensação, algo inferior, para pessoas inferiores.

Paulo Freire, que representa um marco para a EJA, afirmava a necessidade de o educador (re)educar-se para atuar ao lado dos oprimidos e a seu favor.

O professor deveria segundo Freire, auxiliar o aluno no seu processo de conscientização através de um procedimento pedagógico de problematização, sendo um mediador democrático, optando metodologicamente pelo diálogo e pela interatividade, que acabaria por igualar professor e aluno como sujeitos que aprendem mutuamente.

Mas quanto à avaliação, qual é o seu sentido no processo educativo? A avaliação não deve servir como um instrumento de tortura ou punição, mas sim uma forma de perceber os avanços e dificuldades dos alunos e como indicador para a prática pedagógica do docente, com vista a atingir uma práxis transformadora.

 

Referências Bibliográficas

ANTUNES, Celso. Vygotsky, quem diria?!: Em minha sala de aula. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

EDUCAÇÃO e mudança. Produção de Paulo Freire. São Paulo: BB-Educar, 1994. 1 Videocassete (51 min.): VHS, Ntsc, son., color. Com narrativa. Didático.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

HAYDT, Regina Célia C.Curso de didática geral. São Paulo: Ática,1997.

NÓVOA, Antonio. (coord). Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal, Dom Quixote, 1997.

TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAY, E. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e Educação, n. 4, 1991.

Essa entrevista foi publicada no Jornal do Brasil em 27 de abril do ano 2000. Link

Informações

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