Capa do próprio livro em um fundo branco

“…a propaganda política patrocinada pelo Estado, quando apoiada pelas classes instruídas e quando não existe espaço para contestá-la, pode ter consequências importantes. Foi uma lição aprendida por Hitler e por muitos outros e que tem sido adotada até os dias de hoje”. (Noam Chomsky)

 

Não tenha nenhuma dúvida quanto aos seus pensamentos, eles não lhe pertencem. São obra do contexto em que vivem, você é influenciado por elementos como suas origens, classe social, formação escolar, profissão, religião e tantos outros fatores. Sua cabeça é fruto do seu tempo histórico e das vertentes políticas, sociais, econômicas e culturais vigentes. Por mais que acreditemos ser independentes naquilo que pensamos e na forma como isso nos mobiliza, isso é uma verdade apenas parcial.

Indo um pouco além desta infeliz constatação para a maioria das pessoas, há também um outro fator preponderante em nossas vidas e pensamentos ao qual pouco prestamos atenção: o poder e a influência da mídia em nossas existências. Por meio das notícias e informações que recebemos todos os dias, seja através da internet, da televisão, do rádio, dos jornais, do cinema, da música ou de revistas, estamos sendo conduzidos a pensamentos e ações que devem, na maior parte dos nossos dias, condizer com aquilo que se espera de nós. Este é o mote do livro “Mídia: Propaganda, política e manipulação”, do ativista político, filósofo e linguista americano Noam Chomsky.

A existência humana é marcada pelo exercício constante da persuasão, constata Chomsky em suas linhas, ou seja, todo o tempo estamos tentando influenciar alguém a ter determinado comportamento ou pensamento. Na maioria dos casos, buscamos algo que nos seja conveniente. Isso se aplica a cada indivíduo e, também, a sociedade como um todo. A diferença é que, no âmbito social há grupos de interesse e, com o passar do tempo, a aproximação entre estes grupamentos, movidos por desejos comuns, foi estabelecendo formas de ação no sentido do convencimento dos demais membros da sociedade.

A forma como se estabeleceu este domínio, de alguns sobre a maioria, de acordo com o ativista político, autor deste breve estudo sobre a mídia e sua ação em relação ao pensamento coletivo, foi se sofisticando com o passar do tempo. Se a princípio o “porrete” servia para endireitar o comportamento alheio e impor padrões sociais convenientes, estratégia que foi utilizada correntemente ao longo da história da humanidade até o século XIX, associada a movimentos mais sutis e subliminares, ainda que até então não tão “subliminares” assim, o século XX e o advento de uma mídia cada vez mais especializada em vender ideias, sonhos, produtos, modelos de vida e comportamentos foi tornando estas sutilezas ainda mais invisíveis aos olhos da grande massa e submetendo-a aos ditames dos poderosos, independentemente da coloração política ou dos matizes prevalentes.

 

“É necessário, também, instigar a população para que apoie aventuras externas. Como aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, a população normalmente é pacifista. As pessoas não veem motivo para se envolver em aventuras externas, mortes e tortura. Portanto, você tem que instigá-las. E para instigá-las é preciso amedrontá-las”. (Noam Chomsky)

 

O uso de estratégias de comunicação direcionadoras de ação é muito estudado hoje e denunciado por alguns especialistas, entre os quais Noam Chomsky, em especial a partir de modelos como aqueles utilizados por Hitler na Alemanha Nazista ou por Stálin na União Soviética. Há, é claro, a percepção e a compreensão de que a mídia igualmente é ordenadora e parametrizadora de comportamentos e pensamentos nos países democráticos mais evoluídos e nas nações onde impera a social democracia tanto quanto nas ditaduras mais ferrenhas, sejam elas de direita ou esquerda.

O controle da mídia é um instrumento dos mais importantes para quem tem ou busca o poder, por isso o foco de Chomsky no livro é o papel central destes elementos no tocante a política contemporânea. E ele vai, aos poucos, capítulo após capítulo, a partir da história do século XX, com olhar muito atento aos Estados Unidos, como potência central, demonstrando ações que naquele país e fora dele, foram tomadas para desmontar a oposição aos seus ideais políticos, valores e interesses dominantes.

Neste sentido a obra visita situações várias ocorridas desde a 1ª Guerra Mundial para demonstrar modos usados pelas autoridades políticas ou pelos poderosos a ela agregados e ativos por meio de representantes eleitos ou lobistas para, literalmente, fazer com que a opinião pública fique a seu lado ou então, visando desmobilizar focos latentes de oposição, como por exemplo, os sindicatos e a esquerda norte-americana.

 

“A verdade dos fatos encontra-se enterrada debaixo de montanhas e montanhas de mentiras. Do ponto de vista de evitar a ameaça a democracia, tem se mostrado um sucesso formidável, alcançado num contexto de liberdade, o que é extremamente interessante. Não é com um Estado totalitário, em que é feito por meio da força. Esses feitos acontecem num contexto de liberdade…” (Noam Chomsky)

 

Do mesmo modo como Chomsky desnuda casos pouco conhecidos, mas que esclarecem a forma pela qual as elites impuseram seu domínio e modo de pensar sobre a população, pelo domínio das mídias, publicizando aquilo que lhe é conveniente, omitindo fatos ou versões alheias a seus interesses específicos e convencendo o americano comum a viver num estado permanente de torpor e alienação no tocante a sua própria pátria, o que evidentemente acaba sendo muitas vezes alvo de contestação e mobilizações contrárias, chamadas de conspirações ou rebeliões ao status quo, a ordem e a paz estabelecidas, há também, claramente, ações no sentido de consolidar o domínio americano além de suas fronteiras e justificar, por exemplo, suas ações militares, a violência contra povos alheios, o desrespeito aos direitos humanos, o atentado a soberania de outras nações, a liberdade de escolha de tantas outras pessoas…

Quando se luta por petróleo o que se noticia é a batalha pela paz, pela democracia, contra o terrorismo, por exemplo, para que se justifique o envio de tropas do Tio Sam ao Oriente Médio e a regiões onde este mineral seja abundante e de interesse para movimentar a economia norte-americana. Quando se invade uma nação pobre em que políticos de esquerda chegam ao poder, mesmo que por meio de eleições legítimas, como ocorreu em países da América do Sul ou Central, para sustentar golpes de estado locais liderados por militares afeitos aos valores neoliberais, a justificativa modifica-se e passa a ser aquela relacionada ao direito à propriedade, a expressão, ao ir e vir…

Mas não são apenas os norte-americanos que manipulam a mídia e a utilizam para justificar seu comportamento e ação, estruturando o domínio de suas corporações e magnatas, que concentram a maior parte da riqueza mundial em detrimento dos países pobres de outros continentes. O embate envolve desde nações ascendentes, politicamente instáveis, mas determinadas em termos econômicos a garantir seu quinhão neste mundo globalizado, como a Rússia ou a China, passando pelas potências europeias, ainda que mais maduras, porém igualmente ávidas nesta disputa e, atingindo até mesmo regiões inóspitas ou frágeis, em ascensão ou com algum poder político ou nível de influência, como o Brasil, a Índia, os países islâmicos, a Coréia do Norte…

De qualquer modo, para entender melhor esta intensa luta que ocorre nos bastidores, por meio de controle de mídia, a obra de Noam Chomsky é esclarecedora e se propõe a abrir os olhos daqueles que estão insones diante daquilo que a TV ou a internet apregoa, sem capacidade crítica e analítica para ir além da obviedade que há tantos anos já havia sido por aqui, no Brasil, desnudada por Darcy Ribeiro em seu célebre texto “Sobre o óbvio”.

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