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Será que nós, adultos, pais, educadores, cuidadores, percebemos a importância das emoções no processo de desenvolvimento do ser humano?

Mal a criança aprende a falar e sua família reflete a ansiedade para que ela complete as sílabas corretamente, depois as palavras, as frases e assim sucessivamente.

Ao iniciar o convívio escolar, o pequeno ser já é alvo de preocupações: será que meu filho logo aprenderá a escrever a letra inicial do seu nome? A ler? A reconhecer vogais e sílabas?

Inegavelmente os pais se orgulham da alfabetização – sinônimo de decodificar as letras, de reproduzi-las corretamente. É comum o lacrimejar sorrindo quando escutam seus filhotes balbuciando as primeiras sílabas, lendo pequenas palavras, reconhecendo-as em embalagens, rótulos e cartazes nas ruas.

Em seguida, a preocupação com a alfabetização matemática, com a aquisição dos conteúdos e a criança cresce e surpreende com sua facilidade em aprender.

Além disso, existe uma certa competição nas escolas, para alguns pais é terrível se outra criança aprende mais rápido. E tudo isto acontece, geralmente, com o aval dos docentes que, desde muito cedo priorizam o aspecto cognitivo.

Todavia, as crianças crescem competentes intelectualmente e apresentam problemas sérios de fundo emocional. É alarmante o índice de violência, intolerância e bullying nas escolas.

Nosso século é marcado pela tecnologia e por transtornos emocionais.

Assustadoramente aumentam os índices de problemas psíquicos entre crianças e jovens. Cresce a cada dia o número de jovens que se mutilam. A automutilação atinge adolescentes no Brasil e no mundo. Pesquisas indicam que 20% dos jovens sofrem desse mal. Além disso, em nosso país, as taxas de suicídio cresceram na população em geral. O suicídio é, hoje, a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil.

É preciso refletirmos sobre as emoções e como elas influenciam o nosso cotidiano.

Perseverança, resiliência, determinação, colaboração, autocontrole, curiosidade, otimismo e confiança independem do nosso intelecto, da nossa cultura e formação, porém, são habilidades possíveis de serem desenvolvidas.

Atualmente, em processo de seleção para cargos importantes em grandes empresas, um bom currículo pode ser excluído se o candidato não demonstra habilidades como criatividade, inovação, empatia e flexibilidade.

O desequilíbrio emocional sabota as mentes intelectuais através de ansiedade exagerada, atitudes explosivas e/ou dificuldade no trabalho em equipe e no relacionamento com as diferenças.

Por tudo isso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) incluiu o ensino das competências socioemocionais nas escolas. Mais do que uma exigência documental é uma necessidade.

As habilidades socioemocionais são construídas por uma extensa e complexa rede de conhecimentos e comportamentos relacionados ao sucesso ou ao fracasso de um empreendimento. Tais habilidades levam em consideração, como o indivíduo consegue refletir sobre suas emoções quando precisa tomar decisões intrapessoais e interpessoais. É, portanto, uma capacidade reflexiva de lidar com as emoções e potencializar características ímpares do seu eu nas relações com o outro.

No atual momento pandêmico, aqueles que se preocupam com o constante desenvolvimento de suas habilidades socioemocionais, se destacam em soluções criativas, e apresentam características como: coragem, autoconfiança, e serenidade no enfrentamento das crises que a situação produz.

É necessário salientar que a alfabetização emocional se inicia no lar, ou melhor, no ventre materno. Pesquisas revelaram que o programa emocional do indivíduo é iniciado enquanto feto, a partir da interpretação das emoções vividas pela mãe. Além disso, já é possível afirmar que a base de tal programa emocional é construída até os 7 anos de vida.

Então, como desenvolver positivamente tais habilidades? A resposta esbarra em uma outra pergunta: Você se considera alfabetizado emocionalmente?

É fundamental a alfabetização emocional para qualquer ser humano viver em sociedade e estabelecer vínculos saudáveis consigo próprio e com os outros. Educar emocionalmente implica em fortalecer o indivíduo, resgatar valores, o senso de respeito, de solidariedade e responsabilidade. 

As famílias que compreendem a importância do desenvolvimento e do fortalecimento emocional se tornam eternas em seus exemplos e inesquecíveis em suas atitudes perante às crianças.

Apesar da família ser a base, a escola é o grande espaço socializador, logo não se traduz na frieza dos conteúdos disciplinares, mas na junção do cognitivo com o emocional.

Aprendemos na interação, pela emoção e não apenas pelo intelecto. Nossos sentimentos norteiam um desenvolvimento efetivo ou não. Se nos sentimos felizes, seguros e confiantes, isso reflete positivamente na vida escolar e, futuramente, na vida profissional.

Como mensurar uma aprendizagem socioemocional? É possível avaliar se um indivíduo aprendeu ou desenvolveu habilidades socioemocionais? Quais são as principais habilidades socioemocionais a serem desenvolvidas?

Muitas são as discussões acadêmicas em torno da identificação e da mensuração das competências socioemocionais e quais deveriam ser desenvolvidas no espaço escolar. São inúmeras pesquisas delimitando inúmeras habilidades – a amplitude das características de personalidade humana é enorme! É necessário realizar uma taxonomia que permita recortes e afunilamentos para definir e organizar focos de trabalhos pedagógicos.

No meio acadêmico, pesquisadores têm se debruçado nessa tarefa e hoje há um certo consenso em organizar as habilidades socioemocionais em cinco grandes domínios: os chamados “Big 5”.

Os cinco domínios propostos nos “Big 5” são:

  • Openness (Abertura a experiências) – estar disposto e interessado pelas experiências – curiosidade, imaginação, criatividade, prazer pelo aprender…
  • Conscientiousness (Conscienciosidade) – ser organizado, esforçado e responsável pela própria aprendizagem – perseverança, autonomia, autorregulação, controle da impulsividade…
  • Extraversion (Extroversão) – orientar os interesses e energia para o mundo exterior – autoconfiança, sociabilidade, entusiasmo…
  • Agreeableness (Amabilidade – Cooperatividade) – atuar em grupo de forma cooperativa e colaborativa – tolerância, simpatia, altruísmo…
  • Neuroticism (Estabilidade emocional) – demonstrar previsibilidade e consistência nas reações emocionais – autocontrole, calma, serenidade…

Chama muito a atenção o fato das iniciais em inglês das cinco categorias dos “Big 5” formarem a palavra “ocean”. O oceano é uma metáfora maravilhosa para as habilidades socioemocionais: imensidão, profundidade, mistério, zonas abissais, às vezes uma marola reconfortante e calma, às vezes um maremoto devastador…

Nesse oceano de possibilidades nem sempre conseguiremos avaliar ou mensurar o aprendizado das competências socioemocionais, mas existem mudanças comportamentais nítidas que vão norteando professores, pais e educadores.

Imaginemos que uma criança apresenta um comportamento agressivo e com as atividades propostas, aos poucos, demonstra mais afabilidade. Imaginemos um jovem desinteressado pela escola que com aulas inspiradoras demonstra maior interesse ao ter chance de expressar sua criatividade.

São infinitas as possibilidades de explorarmos o tema visando mudanças positivas.

O ideal, tanto nas escolas como nas famílias, é que se estabeleça uma relação de ensino-aprendizagem onde todos possam interagir, compartilhar e complementar diferentes ideais e posições, mas respeitando e enriquecendo o diálogo a partir da diversidade de pensamentos, sentimentos, sonhos, esperanças e trajetórias que os caracterizam.

Não temos como separar razão e emoção. Quando identificamos, conhecemos e sabemos lidar com nosso mundo interior, estruturamos o melhor caminho para a realização das atividades as quais nos propomos realizar.

Pesquisas indicam que toda emoção negativa é produzida quimicamente pelo nosso corpo e afeta a nossa fisiologia gerando: tensão nos músculos, alteração dos hormônios, mudança do PH sanguíneo. Sentimentos guardados dentro de nós, vão se somando até provocarem reflexos visíveis na parte física: diabetes, pressão alta, câncer, alergias, doenças cardíacas, entre outras.

Gottman, propõe 5 passos para aqueles pais que ainda não são preparadores emocionais, para que se tornem:

  1. Perceber as emoções das crianças e as suas próprias;
  2. Reconhecer a emoção como uma oportunidade de intimidade e orientação;
  3. Ouvir com empatia e legitimar os sentimentos da criança;
  4. Ajudar as crianças a verbalizar as emoções;
  5. Impor limites e ajudar a criança a encontrar soluções para seus problemas.

Aceitemos, então, o desafio de trabalhar e desenvolver sentimentos, em nós e naqueles com os quais convivemos, pois como deixou de legado o grande mestre Rubem Alves: “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.”

Paty Fonte – Especialista em Educação Infantil e Pedagogia de Projetos. Autora dos livros: “Projetos Pedagógicos Dinâmicos”, “Pedagogia de projetos: ano letivo sem mesmice” e “Competências Socioemocionais na escola”, publicados pela WAK Editora.

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